A era digital certamente é a nova escrita. É o novo passo na evolução das civilizações.
Assim, da mesma forma que ao longo da evolução das civilizações, foram necessárias adequações, com a inclusão de elementos regulatórios para o bem estar da sociedade, com o progresso da comunicação digital, imprescindível foi que o legislador, no intento de acompanhar o desenvolvimento dessa nova era, incrementasse normas legais a fim de regulamentar as novas relações que se originam da também chamada Revolução Industrial 4.0.
Dessa forma, a discussão sobre os limites de uso de dados pessoais – seja por quem for – se tornou cada vez mais urgente e necessária.
Nesse sentido, um dos dispositivos legais que recentemente regulamentou um dos elementos dessas novas relações foi a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, notadamente conhecida como LGPD, a qual, amplamente inspirada na GDPR – General Data Protection Regulation, uma lei europeia que trata do assunto, regulamenta o tratamento e o uso de dados pessoais por empresas, sejam estas públicas ou privadas.
O intuito principal, como é de se imaginar, é que as pessoas estejam protegidas contra quaisquer vazamentos ou usos ilícitos e indevidos dos seus dados.
A legislação é extremamente abrangente, posto que, qualquer empresa que precise lidar com informações pessoais de clientes, fornecedores e colaboradores, deverá, obrigatoriamente, se enquadrar nesta lei.
Como se sabe, qualquer empresa, em sua maioria esmagadora, nos dias de hoje, utiliza os dados e informações de seus clientes, inclusive informações que tratam de dados financeiros sensíveis, aumentando ainda mais a importância e relevância da mencionada legislação.
E de qualquer forma, ainda que os dados fornecidos não possuam informações financeiras, tão somente, seja o CPF, endereço residencial, e-mail, número de telefone, histórico de ligações de celular, conteúdo de mensagens de Whatsapp e até mesmo contatos de vizinhos são valiosos.
Justamente com a já mencionada Revolução Industrial 4.0, os dados pessoais passaram a ser moeda preciosa, onde uma máxima que indica bem como a discussão acerca da privacidade online é ainda mais profunda. Diz um ditado: “Se você não está pagando por um serviço na web, então você é o produto”.
Os principais serviços na internet que de forma aparente, são gratuitos (sejam redes sociais, buscadores de sites, e até mesmo provedores de e-mail) na realidade cobram um preço de seu usuário: os dados de navegação e as preferências do internauta.
Tais informações são usadas essencialmente para traçar um perfil dessa pessoa como consumidor. São vendidas pelo site para empresas interessadas na publicidade direcionada especificamente para esse usuário da rede. Quando alguém assina os termos de compromisso de uso do serviço – o que a minoria dos internautas leem –, está aquiescendo com isso. Na prática, é um contrato.
No entanto, mesmo que exista o contrato estipulando, isso não significa que a empresa que, em tese tenha obtido a autorização do usuário para utilizar os seus dados, ainda há a possibilidade de riscos de punibilidade, nos termos da LGPD, caso haja ausência de requisitos previstos nesta.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais estabelece, em seu artigo 7º, a exigência quanto a concordância do titular das informações para o uso e tratamento de seus dados. Essa, inclusive, é uma das mudanças mais importantes que a LGPD traz.
Para tanto, o contrato deve ter uma cláusula escrita, de forma clara e transparente, informando o titular sobre o uso que será feito de seus dados, para qual finalidade e qual procedimento a empresa adotará.
Permanecendo consciente e bem informado, o titular dos dados tem o direito de dar o seu consentimento ou não para a coleta de suas informações pessoais. Também é importante disponibilizar no documento informações sobre a possibilidade de não dar a sua anuência e as implicações disso.
Essencial também é adaptar os contratos já existentes de clientes e fornecedores à LGPD, sendo imprescindível rever os documentos vigentes e os dados que já possui.
A empresa deve verificar a finalidade da coleta e as possibilidades jurídicas, o que levará a necessidade ou não de adicionar ou alterar nos novos contratos, sendo necessário ainda elaborar novas cláusulas, conforme os princípios da lei, dispostos no art. 6º como finalidade legítima; adequação do tratamento à finalidade; transparência de informações aos titulares.
Mas não são somente as empresas que prestam serviços na internet que estão sujeitas à Lei Geral de Proteção de Dados. Toda e qualquer empresa que armazena informações de seus clientes (ou até mesmo de seus empregados) pode ser penalizada se utilizar os dados de forma indevida (e em desacordo com a legislação em comento) e essas punições são severas.
Recentemente, uma decisão em uma ação de indenização por dano moral advinda da 13ª Vara Cível de São Paulo, cadastrada sob a égide do número 1080233-94.2019.8.26.0100, utilizou a LGPD a fim de condenar uma construtora por violação aos direitos de personalidade de seu cliente, em especial por permitir o acesso indevido dos dados pessoais do autor da ação por terceiros não autorizados por este.
O requerente da ação disse que quando da firmação de contrato para compra de um empreendimento imobiliário da construtora, ré na ação de indenização, posteriormente, passou a ser contatado por empresas estranhas à relação contratual, quais sejam, instituições financeiras, consórcios, empresas de arquitetura e de fornecimento de mobiliário, sendo assediado constantemente por estas, com propostas de aprovisionamentos ao empreendimento que havia adquirido, sem que jamais houvesse solicitado tais provisões.
Ao questionar às empresas estranhas a si, onde estas haviam acessado seus dados, o requerente obteve a informação que foi junto à construtora, que seria uma “parceira” das referidas empresas.
A sentença destacou tais fatos, bem como o conjunto probatório apresentado pelo autor, que inclusive trouxe prova testemunhal, na pessoa de um outro cidadão que passou pela mesma situação, com a mesma construtora.
A análise dos danos causados foi baseada de forma elementar na Lei de Proteção Geral de Dados Pessoais, combinado com artigos do Código de Defesa do Consumidor, incutindo responsabilidade objetiva da construtora, por se apropriar dos dados pessoais do requerente da ação, repassando-os a terceiros, sem que o detentor dos dados fosse informado de tais repasses.
A condenação em danos morais somou o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) demonstrando a seriedade com a qual as empresas, de qualquer segmento, devem lidar com os dados de seus clientes.
As informações pessoais de todo cidadão estão protegidas pela legislação e para se valer de tais dados, toda e qualquer empresa deve se assegurar de que seu cliente está bem ciente de que estará permitindo sua utilização, sob pena de no futuro, verem-se em meio a uma ação como a da construtora, sujeitando-se a perdas financeiras e até mesmo prejuízos à sua imagem.
A Lei Geral de Dados Pessoais, assim como a era digital, veio para ficar, cabendo a todos, independente de seu papel perante a sociedade, adaptar-se a essa nova Revolução Industrial.
A evolução de nossa civilização encontra-se em ebulição, a cada minuto desenvolvem-se novas tecnologias, teorias, encontram-se soluções para problemas que antes não havia solução. E essa evolução precisa ser encampada pela sociedade como um todo, no entanto, sempre com o cuidado de proteger os direitos fundamentais garantidos a todo cidadão .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
_____ Inédito: Construtora é condenada com base na LGPD por compartilhar dados de comprador de imóvel. Disponível em:. https://migalhas.uol.com.br/quentes/334178/inedito–construtora-e-condenada-com-base-na-lgpd-por-compartilhar-dados-de-comprador-de-imove Acesso em 14/10/2020.
____TJSP. Processo número: 1080233-94.2019.8.26.0100. Juíza de Direito Tonia Yuka Koroku. Publicado em 02/10/2020
ABREU, Marisa de. Porque temos medo de mudanças. Disponível em: http://www.marisapsicologa.com.br/medo-de-mudanca.html Acesso em: 14/10/2020
ZIEMANN, Diane. A LGPD e os contratos. Disponível em: https://peticionamais.com.br/blog/a-lgpd-e-os-contratos/ Acesso em 15/10/2020.
BENUCCI, Renato Luís. A tecnologia aplicada ao processo judicial. Campinas Millennium, 2007, pag.29.